18.9.05

Condenado - parte 2

Parte II - Diálogos...


- Já pensastes? – Perguntou a estranha jovem de negro.

O marquês procurou-a com os olhos e viu que estava em pé a sua frente. “Mas como ela entrou aqui novamente sem que eu a percebesse?”. O marquês levantou-se para ficar mais alto que ela e olhou-a desconfiado. “Essa camponesa suja e estúpida está aprontando alguma. Deve ser mulher do carcereiro ou então alguma vagabunda qualquer que ele tem um caso para poder entrar e saí dessa forma... isso justificaria o fato dela estar aqui, mas não o fato dela entrar tão silenciosamente.” Sem mover-se, o marquês olhou para o pesado cadeado das grades e viu que estava intacto. “Se não foi por ali, por onde entrou?”.

- Creio que o senhor marquês já teve tempo suficiente para pensar na resposta, muito bem... qual é? – Perguntou a mulher com um ar malicioso.

- Acho que já havia dito para saíres, mas... ah! Desculpe-me, esqueci que os da sua laia mal falam uma língua humana. Portanto vou tentar me rebaixar ao seu nível para que me entendas: Suma já daqui, não há nada que uma prostituta imunda como você possa oferecer a mim, o Marquês de Languedoc! – Disse o Marquês com voz elevada e com faíscas nos olhos, quando se tratava de dar ordens intimidantes, o marquês era quase um mestre. Quase...

- Muito bem, Muito bem, Senhor Felipe de Languedoc, ou melhor, Marquês de Languedoc – Disse a mulher em tom de deboche – Sinto frustração em sua voz. Deve ser porque estais a alguns instantes da morte certa, ou então... – A mulher lançou-lhe um olhar penetrante, enquanto mordia os lábios para dar um quê de importância em sua pausa – ou então, é porque não consegues descobrir que o destruiu. Ou seria mais nobre dizer: quem colocou o poderoso marquês de Languedoc a caminho da guilhotina!

O marquês ergueu a mão para bater na mulher, mas hesitou. Afinal não é nobre bater em mulheres, sejam princesas ou lavadeiras.

- Raios! Raios! – Gritava o marquês que por não poder bater, andava de um lado ao outro com um semblante realmente furioso e com os pensamentos longe dali. O que deixava o marquês mais irritado era o fato de que tudo que ouvira era verdade. Sabem como é, a verdade dói!

Mas o pensamento do marquês voava longe. Quem havia conseguido fazer aquele joguete? O camponês foi apenas o estopim de algo maior que já estava em andamento. Nos bailes havia muitos cochichos quando a chegada do marquês era anunciada. Sabotagem nas suas terras. Greves de seus funcionários na França! Ora greve é coisa de romanos e de ingleses! Os bancos passaram a dificultar-lhe empréstimos, coisa que quase leva algumas propriedades do marquês à falência. O marquês teve de usar de muita vaselina política e de influência para sair dessas situações. O próprio Rei se afastava. Sempre o convidava para os bailes, ou até mesmo a alguns encontros mais reservados, apenas para os mais íntimos, ou então, para os mais íntegros, como gostavam de dizer. Bem que havia lido num jornal liberal que logo haveria um ministério livre, só não imaginava que era o dele, nem tampouco imaginava que o jornal liberal (porcos agitadores!) estaria certo.Tudo isso em seis meses... mudanças sutis... como não havia percebido aquilo? Como havia sido tão tolo em achar que tudo era normal, que tudo era apenas inveja?

Não haviam sido justos com ele, então porque haveria de ser justo com eles. A batalha dos tribunais foi bem manipulada. Dois terços dos jurados eram partidários de seus inimigos. O marquês ainda contava com um terço, mas foi condenado unanimemente, por conta da brutalidade do crime que cometera. Brutalidade... bah! Os jurados se disseram chocados de como um nobre poderia se dispor a fazer uma animalesca caçada humana que terminou da pior forma possível. “Mas caçadores não levam presas feridas para o hospital...”.

Parecia bem claro agora ao marquês que havia alguém por trás de tudo isso, sempre soube disso, é verdade, mas quem? O marquês olhou-a de forma atravessada. A mulher era bonita, mas parece já ter sido mais bela do que é hoje. Devia estar nos 30 anos. Toda de negro, parecia usar suas vestes como uma camuflagem naquela cela escura, se não fosse o rosto pálido ela seria quase invisível ali. “Ela parece saber de algo. Sim... Ela tem isso em seu olhar. Ela sabe quem foi, ou ao menos sabe de algo... preciso saber!”

- Muito bem então – O marquês mudou bastante seu tom para com a estranha mulher. Agora certa gentileza na voz, ou seria... malícia? – Que tipo de presente terias para me oferecer?